quarta-feira, 16 de abril de 2008

Ela e eu


Ela que nunca nasceu
Ilesa se perdeu
Idéia nua, confusa
Ela, minha medusa

Eu impotente
Inspiração decadente
Ícaro morto, fervente
Eu inocente

Mylena Perez



domingo, 6 de abril de 2008

Pôr do sol

O sol começava a se pôr e a mulher esperava a hora de buscar os filhos na escola. Era um fim de tarde calmo e quieto, além disso, do décimo terceiro andar de um prédio −onde ela morava− não era mesmo possível ouvir os mínimos barulhos da cidade. O marido, sentado à mesa, lia pacientemente cada página do jornal do dia, e a mulher resolveu ir para perto da janela.
Talvez fosse algo particular daquele fim de tarde, ou talvez fosse apenas a sua imaginação, mas a mente da mulher começou a divagar, e aos poucos ela se distanciava cada vez mais do apartamento. A cidade parecia tão triste lá em baixo, o colorido se perdia em meio ao concreto. Os tons melancólicos de cinza reinavam soberanos, verde só havia mesmo na pintura de algumas casas. A fumaça dos carros tornava tudo denso e confuso.
Agora o sol de fato se punha e de repente um tom castanho-alaranjado invadiu o cenário. A cor refletiu nos alumínios das janelas e coloriu a fumaça. Pequenas casas brancas tornaram-se amarronzadas, feixes de sol dourado brilhavam nos carros. O verde das casinhas tornara-se mais intenso e agora contrastava fortemente com o vermelho dos aterros ao longe. O dourado do sol tornou-se vermelho, laranja, marrom e bem devagar se dispersou num azul celeste que acabava de surgir no horizonte. As cores vibrantes foram se suavizando e o sol se pôs totalmente. Um azul marinho tomava a cena quando subitamente a mulher foi jogada de volta à realidade pela grossa voz do marido que perguntava as horas.
Ao olhar de volta para a janela o melancólico cinza havia voltado, a fumaça embaçava o céu novamente e as cores eram mais uma vez reféns do concreto. A mulher olhou o relógio, já era tarde e a aula das crianças já havia terminado há algum tempo. Ela estava atrasada, pegou as chaves e saiu de casa. O marido achou estar frio e fechou a janela. Em que página do jornal ele estava mesmo?!

Mylena Perez

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Marcha Fúnebre

Desolado ele encostou-se no piano. Todos diziam que ele deveria esquecer aquilo, mas no seu coração tudo permanecia o mesmo. Já haviam se passado anos, mas seu coração parecia não aceitar que ela nunca mais voltaria. Ele conservou toda a casa intocada, do jeito que ela havia deixado ao sair. E era como se a casa e ele ainda esperassem que ela voltasse. As lágrimas grossas e pesadas teimavam em escorrer- lhe pelo rosto e as imagens e lembranças dela teimavam em passear pela casa. Parecia que a única coisa que não esperava a volta dela era o maldito tempo que insistia em passar e aos poucos separar cada vez mais a sombra da beleza que sua amada um dia tivera.
Por momentos a casa vazia parecia encher-se de risos e o doce som daquela finada alegria vinha perturbá-lo. Era como se tivesse sido tudo apenas um sonho triste, mas a realidade sempre o trazia de volta e o silencia sempre voltava. Os risos, os toques, os nomes, tudo se desmanchava noite adentro. E o silêncio triste, a agonia e a desolação sempre voltavam.
Como poderia esquecê-la? Como poderia? Como? Era como se ela fosse voltar a qualquer momento. Ela entraria saltitante pela porta, lhe daria um beijo, ajeitaria a flor branca presa aos cabelos e tudo voltaria ao normal. Mas ele a havia esperado tanto, tanto, ele já havia tentado fazer seu coração aceitar a verdade, mas somente a idéia de nunca mais vê-la, beijá-la ou tocá-la lhe parecia inconcebível.
Naquela tarde junto ao piano ele tocou, tocou como se ela estivesse lá.Como se estivesse sorridente a seu lado ouvindo a música. Ele tocou para ela, e de repente ela estava lá mais uma vez. Ele tocava feliz, e a melodia invadia seu coração, ao olhar no fundo de seus olhos negros ele compunha. Talvez ele não tenha percebido a mudança, talvez as lágrimas não tenham querido escorrer, mas acho que seu coração no meio daquela música aceitou o fato. E quase sem perceber a composição, antes tão alegre, foi se transformado numa marcha fúnebre e em meio a graves notas e lacrimosos sustenidos seu amada tornou-se fria e branca. Seus olhos perderam a vida, seu sorriso perdeu o significado e o vulto pálido que era antes tão nítido aos poucos desapareceu. E ao final da triste música já nada restara onde antes estava sua amada. Talvez ele tivesse apenas imaginado, talvez seus olhos, embaçados pelas lágrimas, o tivessem enganado, mas seu coração aceitou, ela não voltaria. Levantou-se do piano, abriu as cortinas e lavou o rosto. Esqueceu.


Mylena Perez

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Última poesia

Última poesia passeia em meus olhos fechados
Seus versos refletem luz do luar
Eu a perdi já faz muitos sonhos
E nunca mais pude suas estrofes formular

Ainda hoje me assombra
E é como se dela eu não pudesse me livrar
Noites de gritos, suspiros e frases
Ainda essa vã procura a me torturar

Lágrimas chovem sobre meu corpo nu
E é como se uma nuvem me acompanhasse
Enquanto corro pelas ruas da minha memória
Em busca apenas de uma lembrança relevante

Opiniões, pensamentos, nada parece real
Não há luz no fim do túnel, somente escuridão
Talvez seja a minha consciência (ou a falta dela)
Que imprima sonhos em minha insônia constante

Perco-me num beco escuro da minha mente
Uma lembrança me faz de refém
Um mistério, um eco, um tiro no escuro
O suicídio de uma mentira no silêncio se mantém

Uma folha branca se ilumina em sonho
Tinta! Terna poesia vem me acordar
Acordo do sono sem nunca ter dormido
Para uma última poesia terminar

Mylena Perez

Ela

Era tarde quando cheguei
Estrelas não brilhavam mais
A noite estava escura e fria
A chuva fina incomodava
Seu corpo meu coração acelerava
Seu sangue escorria em minhas lágrimas

Mylena Perez

Fúria

Que chova
Que caiam Raios
Que se revoltam mares
E que gritem crianças
Que morram velhos
E que tudo sejam perdidas esperanças
Que tudo fique assim
Que o destino jogue os dados
Que gritem crianças, e que gritem alto
Que fique tudo escuro então
Mas que eu não acorde
Que não seja o pesadelo mais sonho que a dura realidade
Que doa ainda mais nos homens que sua própria perversidade
Que chova. Que chova sangue
E que chova sobre o mundo, que jorre do mundo
E que seja destruída aos poucos a humanidade
Quero mesmo é que seja consumida em sua eterna iniqüidade

Mylena Perez