quarta-feira, 13 de maio de 2009

Nº 8

As encostas choravam meu nome
E as lágrimas do rio
Lambiam os lábios da terra
E assim, o eu de magma tocava o eu de nuvem
Soltando a fumaça
Que pintava arco-íris
Na íris do olho
Do universo

E mil pequenos duendes verdes riam
Riam e rolavam
Rolavam e apontavam
Para o, nu, seio da Terra
Que numa erupção de vergonha
Voou rasante de um sonho
Ainda coberto da serpentina
De algum passado carnaval

E quando o silêncio reinava
A terra me engolia e cuspia
Preso em verdes e vermelhos
E azuis e amarelos e em teus negros olhos verdes
Fez-se o início do fim
Uma nuvem, um sinal de fumaça
Que acenava em minha alma me chamando
“Venha só”
E a solidão que eu bem conheço
Fez-se bosque e noite e campo fresco
A lua, roxa, piscou em minha alma
E a noite foi passando ao som de incenso

Mylena Perez

Autopoema

Sou uma lagoa na planície
Onde o vento bate e balança o Cipestre
Sou um, negro, lago Ness de imundície
Onde o sol bate, na pele, e ferve

Sou o espírito do filósofo em crise
De quem do mundo alma se esquece
Sou o patinho feio que a cada frase vir cisne
Mas volta sempre a podridão a que pertence

Sou a árvore mais alta da floresta
Que tudo vê e por ninguém padece
Sou um riso de criança, inocente
Que mira à lua e faz sua prece

Sou o olhar doa amantes platônicos
Que se desejam e não se podem ter
Sou, claramente, o mais sábio dos homens
Mas no escuro, como Sócrates, só sei nada saber

Sou a brisa que derruba, das mulheres, os chapéus graciosos
Chuva que lava cenas- do- crime e almas de criminosos
Sou a lágrima quente que escorre no rosto frio
Que como gota de sangue, enobrece meu martírio

Sou um mar, salgado, de mágoas
De ilusão, profundo, afogando o viver
Sou um rio, perene, de águas
De onde corre poesia e onde se perde o meu ser

Mylena Perez

Acidental

O vento batia nas árvores
Mas minh’alma ouvia Chopin
Os pensamentos perdi numa esquina de paris
Já ressoava, metálico, o badalar das estrelas
Quando a lua piscou seus olhos azuis
Bem do fundo amarelo chegou, inesperado, o tão adorado spleen
Mas a noite virou dia, luz e fez cara de sol
Ressoou pela última vez o cheiro de incenso tingido de navy-blue
E antes que eu percebesse, meio incompleto, saiu mancando pela cidade um verso perneta

Mylena Perez

Lamentação

Em ondas revoltas de lágrimas
O mar escorre em meu rosto
Memórias, estreitas, não passam, mas
Nos olhos é o mundo já posto

Feito estrelas no negro firmamento
Lembranças hoje brilham dobres e nuas
É o imaginário concreto, um pensamento
Me faz outra vez tocarem as mãos tuas

É o pingo de água da chuva
É a gota da lágrima minha
É o olho que pisca na noite
É a lua que brilha sozinha

“Olho por olho” quero vê-la sofrer
Chorar! É agora “dente por dente”,
De satisfação a lágrima do meu rosto escorrer
Irromper a vingança de paixão latente

Se fosse efêmera a luz desse inverso...
Que me cega para não mais ver-te
Mas é eterno, eterno; Eterno
O martírio de ver-te e não ter-te

Um nome, um rosto, um beijo
Quem dera hoje esquecê-los eu?
É esse cárcere de saudade e desejo
Esverdeando o azul do meu céu

No espírito a noite gelada
E na boca a palavra não lida
É o remorso da maldição pregada
Na morte, “morte pela vida”

É a dor de uma foto rasgada
Numa noite de sono perdida
Mas tua alma, num canto, largada
Há de sentir a dor da ferida

É o sonho apagado, esquecido
Ou o murmúrio do vinho bebido?
É teu olhar de pura trapaça
Que vem a mente e não passa

É o vinho que resta na taça...
Mas doce? Ah, a loucura que herdei !
É aboca que beijo uma farsa?
Pois não sei se vivi ou sonhei

É o sentido perdido
Do fogo apagado a chama
Sabotado, fingido
Do qual só restou-me o drama

Fosse ainda mais leve a memória tua
A levaria, de espírito pesado
Mas que carregues tu o teu fardo
E apague, na saída, o interruptor da lua

Mylena Perez

Amada

Ó quão doces os lábios, os beijos
Da eterna Julieta minha
Tão singelos os toques
Ah! As cantigas que entoa sozinha

As ouvir ­ se as ouço entoar minha rainha
Faz me suspirar
E ao saudá-la, ah o rubor de sua face
Tão rósea, ao ouvir a voz minha

Cintila no olhar a faísca
Se encontra meu pensamento a linha sua
Floresce, dentro de mi, botão de paixão nua

Por ela canto estrelas
Louco Ícaro que a vida arrisca
Ah, tão doce, se ao menos pudesse vê-las

Mylena Perez

terça-feira, 28 de abril de 2009

Soneto a Vinicius de Morais

Queria poder, como você,
Cantar sem pudor as belezas do meu Rio
Queria fazer, como você,
Ruir as barreiras do verso mais frio

Queria amar, como você,
Muito, sempre e intensamente
Queria saber, como você,
Fazer rimar tudo naturalmente

Queria entender, como você,
Que a vida é um grande picadeiro
E que dela nada fica, tudo é passageiro

Queria cantar, como você,
A poesia que vem de dentro
Ouvir o coração, deixar que a arte fosse meu centro

Mylena Perez

Encontro

Noite fria
Caia a chuva fina
As lágrimas correm
O tic-tac tem pressa
Meu passado acena feliz
Recebendo inocente
O sorriso incerto do futuro
Como uma frágil criança
Entrando num quarto escuro
Tremendo de medo
Do invisível
Abre a pequena caixa
Do impensável
Memórias saltam
Numa confusão de sentimentos
De nomes e rostos
De gritos e risadas
Numa confusão de olhares
Eu, frágil criança
Sentada no chão
A caixa aberta
Observando aos prantos
A multidão que corre
Na sala vazia

Mylena Perez

Sky

Back, look back
A date, a face, a fact
Tears, no more
You do not own my tears anymore
Shine blue sky
Forever and ever shine
Hide blue sky
My scars and all I left behind
From what I thought I had
From whom I thought I was
Not later, I beg you, now
Hide suffering
Hide the sore

Mylena Perez

Tempo

Tic-tac
Tempo
Contratempo da vida

Horas, minutos, segundos
Tudo correndo
Solidão
Tempo
Maldito tempo
Dimensão da pressa
Tudo sempre passa
Rápido demais

Futuro, vento incerto
Espalha as peças
Do quebra-cabeça
Da vida

O tempo passa
Sem nem mesmo ser percebido
Fantasmas do passado
Dores do presente
Incertezas do futuro
Tudo sempre passa
Cada vez mais rápido
No ritmo do tic-tac

Lágrimas secam
Rápido demais
Sentimentos
Sensações
Declarações de amor
Poesias, quadros
Perderam o sentido
Pela falta de tempo

A vida presa
Controlada
Amordaçada
No seu próprio relógio

Tic-tac
Tempo
Contratempo da vida
Mylena Perez

Relembrar

Pare ser o brilho no teu olhar
O que eu não ousaria?
O que eu não trocaria para por ti me apaixonar?

O que eu não daria
Por mais um suspiro apaixonado?
Por mais um minuto ao teu lado
O que eu não faria?

Pararia o tempo
Viveria de passado

Mylena Perez

Lullaby

No one dares to step outside
As the sky is getting dark
When the roses start to die
All your fears become alive
Now the moon shines in the sky
And you can no longer hide
Far away you hear the lullaby
You know the lyrics
But can’t go back inside
‘Cause the fog erases your memories
You know it’s time to leave love behind

Mylena Perez

Jardim

O tempo passa
Para todos
Sempre passando
Irrelevante
Para mim
O meu jardim mental
Eu continuo regando
Nas roseiras da incerteza
Florescem sempre dúvidas
Enquanto minha lama
De pétalas de rosa
Banha-se na pureza
Dos copos de leite
A sacralidade das violetas
Emana a tristeza
Do meu presente
De um passado distante
Imortalizado
Nas florais letras
De uma poesia
Na partitura
De uma sinfonia da natureza
E o tédio da primavera eterna
Fornece clima e terreno
Para que eu ame e sofra
E com meu riso e choro
Continue sempre cultivando
Sempre produzindo

Mylena Perez

Noite

A água pinga do meu corpo
Junto com aminha vida
Que em pequenas gotas de suor
Aos poucos se esvai

A chama da vela velando
A corrida do ponteiro de ferro
E a chuva da noite chorando
A negra alma, quieta, ouvindo o som estranho
Do meu pranto terno
Hoje efêmero... Amanhã eterno

Mylena Perez

Senza te

Que faço eu da vida minha,
Que está tão ligada a tua
Que dos vales do meu corpo
Ainda pinga tua doçura?

Que faço eu do corpo meu,
Que está tão ligado ao teu
Que ainda bate em meu peito morto
Teu adúltero coração?

Que faço eu da alma minha,
Que está tão ligada a tua
Que apodrece meu espírito
Só de em ti pensar?

Que faço eu do coração meu,
Que está tão ligado ao teu
Que virou pássaro, céu, abismo
E do meu peito voou sem rumo para imensidão?

Mylena Perez

Mon amour

De mim o amor corre como um rio
Corre sempre, corre longo, corre tenso
Eu, amante, em teu corpo frio
Amo doce, amo amargo, amo intenso

O amor, em mim, é máximo
Longe, largo e completo
É extenso, intenso, é rápido
É amor de si mesmo repleto

É amor já feito, usado
Mas de aura branca, virginal
É limpo, sujo, santo e impuro
É amor selvagem, tribal

É, indiferentemente, ciumento
É o oitavo pecado capital
Vem de dentro, de fora, de sempre
Paixão que se alastra, amor visceral

O amor, em mim, é todos os sentimentos
É tristeza, dor, desolação
É gozo, é paixão, é saudade
É de corpo inteiro não só de coração

Mylena Perez

terça-feira, 31 de março de 2009

Uma prece

Dá-me orgulho, Senhor, desta arte
Doce arte, odiada e amada
Dá-me orgulho, Senhor, desta arte
Voraz e canibal e mal-amada

Tira a dor, Senhor , deste corpo
Já moído de poesia
Tira a dor, Senhor, deste corpo
Que é alma presa na fantasia

Leva, Senhor, desta vida
Esse coração machucado
Leva embora, Senhor, desta vida
Meu espírito malcriado

Passa, Senhor, de mim
O cálice da poesia
Passa ,Senhor, de mim
A dor desta nostalgia

Faz secar ,Senhor, do meu rosto
Essa lágrima, vermelha, de sangue
Faz sumir, Senhor, do meu rosto
Essa marca do meu desgosto

Faz fluir, Senhor, do meu corpo
Amor, desejo, paixão
Faz chover , Senhor, no meu corpo
Um pouco mais dessa tosca ilusão

Mylena Perez

Fantasma

Essa paixão que era e não é mais
É hidra herege que não hesita
Hera que cresce e não é detida
Harpeando hiatos hematófagos
Dessa paixão que era e que não é mais

Mylena Perez

O pôr do sol
Um banco de praça, vazio
Reflete, amarelo
O meu sentimento

O meu coração
Num banco de praça,
Amarelo,
Sozinho, reflete

Mylena Perez

Mini

Lágrima da chuva, gelada
Pinga,
Chove do olho do céu

Mylena Perez

terça-feira, 3 de março de 2009

Psicodelic

É madrugada e, como de costume, meus olhos relutam em fechar
Se enchem again desse nostalgic wonder
Visões de futuros, lembranças de passados
People I don't even know but keep calling my name
C'est moi
Embora eu queira não ser
"To be or not to be?" Not to be
Me disfarço
Minhas máscaras caem
Y los otros nombres pasan
Eu continuo sempre a mudar
But yet I always remain the same

Mylena Perez

Vazia, enfim

E foi então, somente então
Naquela tarde de agosto
Que senti,enfim, o tão falado vazio
Aquele que nunca entendi
O que só me trouxe desgosto

Uma falta do que não se sabe
Uma saudade de quem não se conhece
Vontade de voltar atrás para onde nunca se foi

Doendo sempre sem nunca cessar
Uma dor que lateja insensível
Me machucado sem me machucar

Esse vácuo no fundo do peito
Crescendo, crescendo
Sem nada criar

Mylena Perez

Soneto da Opulência Mínima

E eu,
A tão pequena,
A infinitamente pequena,
A "so small"?

E eu,
A opulência ilusória,
A grandeza mínima,
"The little one"?

Onde todo o meu corpo
Se banha em sangue
E vergonha

Quando o infinito é
Enfim eterno
Embora "petit" como eu

Mylena Perez

Vãs suposições

Não conhecesse eu tua linha de pensamento, tão previsível
Não estivesse meu imundo coração ao amor tão sucetível
Não fosse meu ego um alvo tão fácil de ser esmagado
Talvez não rolassem hoje essas lágrimas azedas

Não fosse eu tão amargamnte egoísta
Girasse meu mundo ao redor de outro alguém, que não eu
Enxergasse eu mais, além de minha própria alma e fúteis problemas
Talvez chovessem soluções, caissem do céu as centenas

Não ardessem agora, como que cobertos do mais puro veneno, meus olhos
Não fosse a chuva que cai a única coisa mais fria que minh'alma nesse momento
Não fosse negra como a noite e mórbida como a cinza a lágrima que me mancha agora a face
Talvez me doesse menos no íntimo o pesar de mais um pedante mal-entendido

Prestasse eu mais atenção aos sentimenos alheios, ou menos aos meus próprios
Sentisse eu menos pena de mim ( de minha "suposta" condição)
Atirasse eu, aos outros, menos pedras e estendesse a eles mais mãos-amigas
Talvez secassem mais rápido as lágrimas e suas marcas amargas

Talvez sarassem mais rápido as feridas na alma
Talvez chegasse mais rápido o sono certas noites
Talvez pudesse eu seguir em frente livre o impulso sádico de olhar sempre para trás

Mylena Perez

Desilusão

Denso
O olhar, amargo e doce,
Pinga,
A lágrima, como se não fosse
A dor
Mais forte e intensa
Da tua indiferença
Que aminha indecisão

Mylena Perez

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Fardo

É uma quente noite de verão
E quando a lágrima escorre,vem sem aparente motivo,
O que é real, aos poucos, morre
Fenece como um sorriso

A lua Brilha, lá em cima, ornamentando o firmamento
Se essa lágrima ferve, queimando meu rosto cativo
Minh'alma, para junto da lua
E deixando meu corpo, voa, como que por feitiço

Anos se passam, ainda que em um só minuto
Futuro, passado e presente juntos nesse momento insólito
Revivem um medo que eu pensava já ter sido esquecido
Ou uma frase que eu acreditava não ter mais sentido

Fosse eu o mais burro dos homens
Ou o mais covarde dos meninos
Poderia a mais bela dama da corte ter sido
Ou o mais sagaz rei ter iludido

Sei que ainda assim, nessas noites quentes de verão
Essa brisa leve clamaria à minha alma por um abrir de olhos
E então, sendo inútil o confronto, tendo ela me já vencido
Uma ou outra poesia naquela noite teria surgido


Mylena Perez

Jornada

Venha comigo
Ontem, hoje, sempre
Para cima, para o infinito
"Além, acima do além"
Como os acrobatas de Vinícius
Cada vez mais longe, mais alto
Onde somem finais e inícios

Mylena Perez

Ventos Contrários

Sinto os ventos do norte
A bagunçar meus cabelos
E fecho os olhos

Pois há sempre um porém
Não importa o quão forte o vento vem
Ainda que ínfimo, sempre um mas
Corroendo aos poucos minha paz
Fazendo eterna a minha indecisão
E lenta a perda da razão
Criando ondas em meu copo d'água
Naufragando meus navios em mágoa
Há sempre um contudo
Que não me diz nada e quer que eu diga tudo
Um maldito entretanto
Tentando, incansável, abafar meu canto
Num mundo de mentes recessivas
Dominado pelas adversativas
Eu, tentando viver minha vida
Escrevendo, em silêncio, a página não lida
Contra a corrente, lutando na contramão
Me chafurdando na lama da minha solidão

Sinto os ventos do norte
A bagunçar meus cabelos
E fecho os olhos


Mylena Perez

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Verão

Hoje aprendi a amar
Revolto, dentro do teu olhar
Tudo o que faltava falar
Hoje me contou o mar

Brisa calma veio trazer
Vontade de algo novo fazer
Fez em meu peito crescer
O anseio por mais um prazer

Sol quente me fez sentir
Querer ter para onde ir
Correr, gritar, amar, fugir
Para ti, verão, não vou mentir

Onda que vem me molhar
Mensagem de amor trazer
Faz o meu verão voltar
Meu sol quente aparecer

Quem levou minha areia e meu mar?
Quem fez meu amor sumir?
Pro inverno eu não vou voltar
Com meu verão eu vou fugir


Mylena Perez

Poema

Um poema não é feito apenas de palávras
É feito de choro e também de riso
Escrever um poema é mais que ordená-las
É ter o dom de rimar lágrimas e sorrisos
É rimar o nunca e o sempre, o quente e o frio
É cantar o amor e o ódio sem cair em seus feitiços



Mylena Perez

Chamado

Idéias perdidas
Dispersas no ar
Idéias sem rumo
Livres a voar

Pensamentos sem destino
Flutuando ao luar
Com uma única missão
De vir me chamar

Me chamam pelo nome
Me chamam para dançar
Me chamam para ser livre
Para não ter medo de amar


Mylena Perez

Com o pé esquerdo

Há um dia fui a uma boate com alguns amigos e com meu primo após o trabalho. Acabei bebendo umas cervejas a mais e, bom, só me lembro de acordar em casa no dia seguinte sem minha gravata e com um bilhete no bolso. Era um guardanapo no qual estava escrito um telefone e o nome Júlia. Quem era Júlia? Meu primo estava praticamente desmaiado no sofá e tudo o que eu consegui que ele me dissesse foi, “Júlia lá da boate, não se lembra garanhão?” Como eu realmente não me lembrava achei que não havia sido nada de mais.
Faltavam apenas duas semanas para a minha viajem a Bariloche e eu havia passado meses juntando dinheiro para comprar meu primeiro par de esquis, então decidi ir à loja e comprar. Quando cheguei em casa meu primo já havia saído, e pelo jeito que ele havia deixado a cozinha imaginei que ele tivesse tentado fazer um das milagrosas curas para ressaca que habitam a mente do povo: o suco de tomate. Como o copo ainda estava cheio, imaginei que ele não sabia fazer e provavelmente bateu o tomate com sementes e tudo no liquidificador e ainda botou um temperinho para salada para dar um gostinho melhor. E pelas manchas no teto, que ele não deve ter encontrado a tampa do liquidificador e bateu tudo sem fechar, mandando a mistura direto do copo do aparelho para o teto recém-pintado do meu apartamento novo. Mas enquanto eu pensava num jeito mais simples do que provocar um tsunami de água sanitária para limpar aquela cozinha, que já tinha um dia sido branca, mas que agora mais parecia uma cena do filme “Suspiria” do Dario Argento de tão vermelha, algo aconteceu. O telefone tocou, e o diálogo a seguir dispensa explicações:

Eu (Gustavo): Alô?!
Júlia: Oi Tavinho, é Júlia.
(Eu pensei... “Tavinho”?! Ainda sem entender a gravidade da situação)
Eu: Oi Júlia, tudo bem?
Ela: Tudo, noooossa já faz um dia que agente... é... Achei que você fosse ligar antes.
Eu: Agente...?
Ela: Você não se lembra?
Eu: É claro que me lembro, eu ia te ligar agora sabe?
Ela: Ia? Agora?
Eu: Agorinha mesmo, na verdade eu estava com o telefone nas mãos para discar o seu número quando ele tocou.
Ela: É mesmo? Com o telefone nas mãos?
Eu: É.
Ela: Seu telefone é móvel, amor?
(Comecei a me preocupar nesse instante... amor?!)
Eu: Desculpa... o que?
Ela: Perguntei se o seu telefone é móvel!
Eu: Não. Por quê?
Ela: Por nada, é que se o seu telefone não fosse móvel, quando você o tirasse do gancho para discar meu número ele ficaria ocupado, e assim eu não poderia ter ligado para você. O seu telefone estaria ocupado para mim, e então não tocaria na sua casa. Você só tem uma linha , não é?
Eu: Só.
(Por nada “uma ova”)
Ela: E... Não tem nada para me dizer?
Eu: É que... Veja bem, eu ia te ligar, mas é que eu estou sem dinheiro ultimamente e não posso gastar com minha conta de telefone.
Ela: É mesmo?
Eu: É, não estou pagando contas, estou sem comer a dias, estão quase cortando minha luz e minha água e...
Ela: Você mente muito bem Tavinho, mas eu te vi hoje de manhã comprando um par de esquis numa loja no centro.
Eu: Esquis? Eu? Não, não comp...
Ela: Se você não comprou nada porque eu tenho uma nota fiscal de um par de esquis no seu nome? Ah! Por que depois que você saiu da loja eu entrei e peguei!
Eu: Ok, eu vou viajar para esquiar, mas eu não tenho que te dar explicação de nada. Eu nem me lembro de você, agente só passou a noite junto, eu estava bêbado e...
Ela: Porque você está mentindo para mim, e tudo o que nós temos juntos? E o nosso amor?A paixão? E o nosso futuro?
Eu: Que futuro? Agente nem se conhece.
(Comecei a me apavorar por que, lá pelo “nosso futuro”, a voz dela começou a ficar aguda e ela começou a chorar)
Ela: Não acredito, o único homem descente que eu conheço e...
Eu: Olha, eu adoraria ficar aqui te ouvindo falar, mas eu tenho que desligar porque eu ainda não consegui limpar a cozinha e eu vou sair para almoçar numa lanchonete, então..
Ela: É claro... é claro que eu quero ir almoçar com você numa lanchonete! Ahh! Que lindo, superamos nossa primeira briga.
Eu: Não, eu n...
Ela: Isso é mais um passo no nosso relacionamento. Quer saber? Eu passo aí na sua casa, te ajudo a limpar a cozinha e faço uma comidinha deliciosa para nós dois. Não precisa me buscar aqui não, eu já estou indo!
Eu: Mas eu não n...

Ela desligou telefone sem nem me esperar terminar a frase. Alguns minutos depois Júlia apareceu lá em casa, conseguiu limpar a cozinha toda em quinze minutos e fez um delicioso ensopado. Nós conversamos a noite toda e eu percebi que queria que aquela mulher louca que me manipulou tão bem pelo telefone me “manipulasse” para o resto da minha vida. Já se passou um ano desde essa história e ainda estamos juntos, Júlia me fez perceber que às vezes “não faz mal descer da cama de manhã com o pé esquerdo se for para dar o primeiro passo com o direito”. E foi assim que a minha “one night stand” se transformou numa “one life stand” !

Mylena Perez

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Versinho de Bolso

Poesia é lágrima da alma
Chuva que rega o coração
Poeta é nuvem se sentimento
De dor, paixão e ilusão

Mylena Perez

Ciclo de Poesia

A vida é suja
A vida cospe
O poeta sangra
A lágrima escorre
O poeta canta
O coração sofre
A poesia grita
É ouvida ao longe
Uma vida muda
Novamente chove
A lama suja
O que a vida cospe
O poeta sangra
A lágrima escorre
O poeta canta
O coração sofre

Mylena Perez

Estática

Correndo rápido
Sem sair do lugar
De trás para frente
Num ser/estar
Num infinito be, just being
Correndo, sem olhar para trás
Num pós-começo
Num pré-final
Num meio-termo cardinal


Mylena Perez

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Caminhada

Cresço
Forte como concreto
Frágil como uma flor
Doce como um morango
Suportando toda dor

Bato no peito
Um coração atende
Angustiado
Sem saber porque
Abandonado
Sem saber por quem
Seguindo, sempre,
Sem saber para onde


Mylena Perez

NoTuRnA

Quem me chama agora?
Quem pode ser a essa hora?
Acordo sozinha.
É escura e triste a noite.
Ah! És tu poesia!
Me deleito em teu açoite!

Mylena Perez

Noite de Poeta

Que fiz eu para merecer
A ti, noturna visitante?
Que faz meu corpo estremecer
Com tua dor, eterna e constante

Pois há uma faísca em teu olhar
Quando miras-me andar cambaleante
Que se estou cansado, se não agüento gritar
Desenha-se um sorriso em teu semblante

Será esse o mal do século,
A doença da alma inconstante?
Esse desejo estranho, chulo,
Essa vontade de sofrer pedante?

És conhecida dos grandes poetas,
Suicidas, mal amados e navegantes
És feita de emoções incompletas
Foste, de Byron, musa errante

Sob a luz do luar
Sedutora, és tu, desconcertante
Meu espírito a aprisionar
Com teu charme prestante

Que, em meu peito, encerra a certeza
De possuir, da palavra, o dom intrigante
Que em meus lábios pinta a beleza
Para poder cantar meu ser fascinante

Tu és melancolia tosca
Tua extrema força, alarmante
Fazendo a luz no fim do túnel fosca
Fazendo a vida irrelevante


Mylena Perez

domingo, 25 de janeiro de 2009

Fim de Noite

Mandaram escrever um samba
Para alegrar um pouco a praça
Inspiração fugiu, amor
E o papel voou sem graça

A garganta secou
Não tem mais água na taça
A festa terminou, senhor
Não importa o que eu faça

Já a lua se escondeu
Foi beber sua cachaça
Meu violão sumiu, já vou
Vou curtir minha desgraça

Mylena Perez

Manhã de Saudade

Na areia da praia
Muitos grãos de verdade
Se a música pára
Só fica saudade

Da terra mais linda
De um povo fiel
Da morte, da vida
Do azul do meu céu
Da minha pátria querida
E até do gosto do fel
Da minha vida sofrida
Que desapareceu

Na areia da praia
Muitos grãos de sudade
Se a música pára
Eu perco a verdade


Mylena Perez

Amigo

Amizade, para mim, era só um passatempo
Ter alguém para conversar quando tudo passa lento
Depois de te conhecer, o sentido da amizade entendo
Querer passar cada segundo com alguém, todo dia, todo tempo

Mylena Perez

Aviso

Pela última vez
Meus poemas não são para ninguém
Não...Nenhum joão, Maria, nem Sônia
Escrevo para mim, que é só quem merece ler
Apenas compartilho com vocês minha insônia
Por isso, se algum verso rebelde não se fizer entender
Se alguma rima não soar como deve ser
Não ria, não ria de mim amigo
Se fazer poesia fosse fácil
Eu nãofaria tanta cerimônia


Mylena Perez

Saudade

Amargo é o gosto
É gosto de sangue
É gosto distante
Que nem se sente mais

É o gosto salgado
Da lágrima seca
Do grito não dado
Que não se apaga mais

É vento que voa perdido
É faísca que ainda arde
Desse sabor esquecido

É doce de tão azedo
É remorso inconsciente
De ter acabado cedo

Mylena Perez

Heil Gilberto


Já se passaram dois dias e ainda não acredito realmente que Gilberto tenha morrido. Recebi, na sexta-feira pela manhã, um telefonema da ex- mulher dele, comunicando sua morte e, desde então tenho tido flashbacks perturbadores dos momentos que passamos juntos. Nunca fomos muito unidos, eu e Gilberto, em boa parte devido à sua personalidade, com o perdão do eufemismo, “peculiar”. Mas dos poucos momentos que dividimos tenho ótimas recordações.
Gilberto sempre foi muito “diferente”, estudamos juntos boa parte da adolescência e também da juventude .Eu me lembro muito bem da primeira vez que o vi , seus pais haviam se mudado para a cidade e ele não havia feito amizades muito rápido. Eu nunca havia prestado muita atenção nele até que, na oitava série, durante um debate sobre as verdadeiras causas da segunda guerra mundial, Gilberto defendeu seus argumentos perante a turma com citações, em alemão, de um dos discursos de Hitler.
Na faculdade as coisas não foram muito diferentes. Ele tinha um modo único de defender suas opiniões e valores que, combinado com a sua coragem e com seu dom de “meter o nariz onde não era chamado” poderia até mesmo, sem muito esforço, convencer Isaac Newton a fazer uma deliciosa torta de maça com canela com a maça que lhe acertou a cabeça ao invés de formular a teoria da gravitação dos corpos.
Encontrar uma mulher não foi muito fácil para ele. Gilberto insistia em dizer que a mulher ideal para ele não deveria apenas saber cozinhar, limpar e passar suas calças conservando aquele estúpido vinco que ele tanto prezava, mas deveria também ser capaz de resolver equações de cálculos diferenciais, além de ter que saber dar um nó em um cabinho de cereja usando apenas a língua, qualidade essa que, segundo ele, somente as mulheres mais especiais possuíam. Era de se imaginar que ele nunca fosse encontrar esse raríssimo espécime feminino, mas Gilberto sempre conseguia o que queria e assim, conheceu Suzana.
Suzana lecionava cálculo numa universidade local e logo que conheceu Gilberto se apaixonou completamente. Dois meses depois de começarem a sair e depois de uma análise profunda da personalidade de Suzana feita por inúmeros psiquiatras amigos de Gilberto, ele a pediu em casamento. Suzana, apesar de não esconder o quanto as tendências neo-nazistas de seu futuro marido a preocupavam, aceitou o pedido e eles se casaram semanas depois, no civil apenas, pois Gilberto considerava todo e qualquer tipo de festa um abominável desperdício de dinheiro. Infelizmente, o casamento terminou em menos de três anos, quando Suzana, após dar a luz a um saudável par de meninos gêmeos, acordou pela manhã no hospital e descobriu que o seu amado marido os havia nomeado Adolf e Pétain de Souza.
Gilberto nunca se casou, nem sequer teve uma namorada após o divórcio e, embora fosse óbvio para todos que ele estava sofrendo muito, nunca admitiu. Após o enterro, eu arrombei a porta do quarto onde ele costumava dormir e roubei seu diário, ele escrevia diários desde os quinze nos, e eu achei que aquilo poderia me esclarecer muitas coisas sobre ele. Mas os diários, que faziam menos sentido que o que o próprio Gilberto dizia, apenas provaram que o orgulho fora a causa de sua morte. Um dia, pego chorando, havia afirmado ter um problema nos olhos e precisava de um laudo médico que validasse sua mentira. Era período de eleições e, ironicamente, Gilberto foi atropelado por um carro de som que tocava a propaganda política de um certo “partido socialista democrático” quando atravessava a rua para a sua consulta com o oftalmologista.

Mylena Perez

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

MARATONA

Um homem de aparentes quarenta anos, alto e de cabelos castanhos sai do cinema com uma expressão perturbadora. Já passa das onze da noite e a cidade está toda iluminada. Pessoas vão de um lado para o outro e, apesar da tão falada crise econômica, gastam seu dinheiro em lojas, boates e drogas como se não tivessem muito tempo de vida. Ele vai direto para casa, liga a televisão mas não dorme.
No dia seguinte ele vai ao trabalho, todos reparam nas suas olheiras profundas , mas ninguém ousa comentar com ele. Ele almoça olhando o relógio, termina o trabalho e volta para casa caminhando. Há um acidente em uma rua adjecente e ele perde muito tempo. Ele começa a ficar nervoso, a suar muito, seu rosto está vermelho e ele começa a correr. Seu celular toca, ele atende:

-Alô? Quem fala?
-É uma amiga da Julietta, ela me deu seu telefone, disse que talvez você topasse sair comigo hoje de noite.
-Não, eu agradeço a oferta , mas tenho algo muito importante para fazer hoje e já estou atrasado. -Ahh! Vai me dispensar assim?
-Assim? Assim como?
-Desse jeito.
-Eu ia, mas se você prefere outro jeito... Bom, não é você, sou eu...tenho um compromisso e você é uma mulher inteligente, tem homem mehor para você, me parece que...
-Fique quieto...nenhuma amizade vale tudo isso... sorte para a Julietta, vai ser muuuuuuuuuuuuito difícil encontrar uma mulher para você.(desliga na cara dele)

Ele guarda o celular como se nada tivesse acontecido, mas quando olha para o relógio, já são oito e quarenta e cinco.O suor começa denovo, ele corre o máximo que pode em direção a sua casa. No caminho uma senhora é derrubada por ele, ele ainda anda alguns metros,mas sua consciência não ajuda, ele tem de voltar atrás. Ele volta, levanta a senhora, pede desculpas, passa uns cinco minutos ouvindo a mulher reclamar sobre como ele não olha por onde anda e etc... Enquanto a senhora fala ele não realmente presta atenção. Ele olha bem para o rosto dela , ela tem os cabelos brancos, é magra, tem a pele branca e enrugada e olhinhos azuis bem apagados. Ela parece alguém que ele conhece , mas ele não consegue se lembrar, ele se esforça. Seria alguém do trabalho? Alguém que ele viu na rua? Alguém da família? Mas ele não tem muito tempo , a mulher termina a bronca, bate nele com a bolsa e sai.
Todo esse esforço para se lembrar de onde ele conhecia a mulher o fez esquecer do atraso. Ele olha o relógio, Oh my God, já eram oito e cinquenta e cinco e ainda falatavam duas quadras para chegar em casa. Ele corre o mais rápido que pode, mas ainda há uma rua a ser atravessada e há tantos carros passando que ele tem que esperar. Assim que o sinal fecha ele corre, corre por entre alguns carros, pula por cima de outros, empurra pessoas, mas não olha para trás nem uma vez. Só falta uma rua, ele tropeça, há sangue pingando de seus joelhos, mas ele se levanta e continua correndo. Para ele, chegar em casa é uma questão de vida ou morte.
Ele já pode ver o telhado de sua casa, é um alívio. Uma última olhada no relógio revela o meio minuto que falta para as nove horas da noite.Ele entra em casa, fecha a porta, senta no sofá, liga a televisão e... Um último arrepio percorre seu corpo quando ele olha para a televisão. Ainda não havia começado a maratona de Francis F. Copola, era o dia de "O Poderoso Chefão I, II e II" que ele havia esperado tanto. Durante aquela noite o telefone tocou algumas vezes, muitas eram ligações de amigos que o haviam visto pular por cima de carros nas rua, mas ele não atendeu. E pensar que ele poderia ter se atrasado !



Mylena Perez