quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Com o pé esquerdo

Há um dia fui a uma boate com alguns amigos e com meu primo após o trabalho. Acabei bebendo umas cervejas a mais e, bom, só me lembro de acordar em casa no dia seguinte sem minha gravata e com um bilhete no bolso. Era um guardanapo no qual estava escrito um telefone e o nome Júlia. Quem era Júlia? Meu primo estava praticamente desmaiado no sofá e tudo o que eu consegui que ele me dissesse foi, “Júlia lá da boate, não se lembra garanhão?” Como eu realmente não me lembrava achei que não havia sido nada de mais.
Faltavam apenas duas semanas para a minha viajem a Bariloche e eu havia passado meses juntando dinheiro para comprar meu primeiro par de esquis, então decidi ir à loja e comprar. Quando cheguei em casa meu primo já havia saído, e pelo jeito que ele havia deixado a cozinha imaginei que ele tivesse tentado fazer um das milagrosas curas para ressaca que habitam a mente do povo: o suco de tomate. Como o copo ainda estava cheio, imaginei que ele não sabia fazer e provavelmente bateu o tomate com sementes e tudo no liquidificador e ainda botou um temperinho para salada para dar um gostinho melhor. E pelas manchas no teto, que ele não deve ter encontrado a tampa do liquidificador e bateu tudo sem fechar, mandando a mistura direto do copo do aparelho para o teto recém-pintado do meu apartamento novo. Mas enquanto eu pensava num jeito mais simples do que provocar um tsunami de água sanitária para limpar aquela cozinha, que já tinha um dia sido branca, mas que agora mais parecia uma cena do filme “Suspiria” do Dario Argento de tão vermelha, algo aconteceu. O telefone tocou, e o diálogo a seguir dispensa explicações:

Eu (Gustavo): Alô?!
Júlia: Oi Tavinho, é Júlia.
(Eu pensei... “Tavinho”?! Ainda sem entender a gravidade da situação)
Eu: Oi Júlia, tudo bem?
Ela: Tudo, noooossa já faz um dia que agente... é... Achei que você fosse ligar antes.
Eu: Agente...?
Ela: Você não se lembra?
Eu: É claro que me lembro, eu ia te ligar agora sabe?
Ela: Ia? Agora?
Eu: Agorinha mesmo, na verdade eu estava com o telefone nas mãos para discar o seu número quando ele tocou.
Ela: É mesmo? Com o telefone nas mãos?
Eu: É.
Ela: Seu telefone é móvel, amor?
(Comecei a me preocupar nesse instante... amor?!)
Eu: Desculpa... o que?
Ela: Perguntei se o seu telefone é móvel!
Eu: Não. Por quê?
Ela: Por nada, é que se o seu telefone não fosse móvel, quando você o tirasse do gancho para discar meu número ele ficaria ocupado, e assim eu não poderia ter ligado para você. O seu telefone estaria ocupado para mim, e então não tocaria na sua casa. Você só tem uma linha , não é?
Eu: Só.
(Por nada “uma ova”)
Ela: E... Não tem nada para me dizer?
Eu: É que... Veja bem, eu ia te ligar, mas é que eu estou sem dinheiro ultimamente e não posso gastar com minha conta de telefone.
Ela: É mesmo?
Eu: É, não estou pagando contas, estou sem comer a dias, estão quase cortando minha luz e minha água e...
Ela: Você mente muito bem Tavinho, mas eu te vi hoje de manhã comprando um par de esquis numa loja no centro.
Eu: Esquis? Eu? Não, não comp...
Ela: Se você não comprou nada porque eu tenho uma nota fiscal de um par de esquis no seu nome? Ah! Por que depois que você saiu da loja eu entrei e peguei!
Eu: Ok, eu vou viajar para esquiar, mas eu não tenho que te dar explicação de nada. Eu nem me lembro de você, agente só passou a noite junto, eu estava bêbado e...
Ela: Porque você está mentindo para mim, e tudo o que nós temos juntos? E o nosso amor?A paixão? E o nosso futuro?
Eu: Que futuro? Agente nem se conhece.
(Comecei a me apavorar por que, lá pelo “nosso futuro”, a voz dela começou a ficar aguda e ela começou a chorar)
Ela: Não acredito, o único homem descente que eu conheço e...
Eu: Olha, eu adoraria ficar aqui te ouvindo falar, mas eu tenho que desligar porque eu ainda não consegui limpar a cozinha e eu vou sair para almoçar numa lanchonete, então..
Ela: É claro... é claro que eu quero ir almoçar com você numa lanchonete! Ahh! Que lindo, superamos nossa primeira briga.
Eu: Não, eu n...
Ela: Isso é mais um passo no nosso relacionamento. Quer saber? Eu passo aí na sua casa, te ajudo a limpar a cozinha e faço uma comidinha deliciosa para nós dois. Não precisa me buscar aqui não, eu já estou indo!
Eu: Mas eu não n...

Ela desligou telefone sem nem me esperar terminar a frase. Alguns minutos depois Júlia apareceu lá em casa, conseguiu limpar a cozinha toda em quinze minutos e fez um delicioso ensopado. Nós conversamos a noite toda e eu percebi que queria que aquela mulher louca que me manipulou tão bem pelo telefone me “manipulasse” para o resto da minha vida. Já se passou um ano desde essa história e ainda estamos juntos, Júlia me fez perceber que às vezes “não faz mal descer da cama de manhã com o pé esquerdo se for para dar o primeiro passo com o direito”. E foi assim que a minha “one night stand” se transformou numa “one life stand” !

Mylena Perez

Nenhum comentário: