quarta-feira, 13 de maio de 2009

Nº 8

As encostas choravam meu nome
E as lágrimas do rio
Lambiam os lábios da terra
E assim, o eu de magma tocava o eu de nuvem
Soltando a fumaça
Que pintava arco-íris
Na íris do olho
Do universo

E mil pequenos duendes verdes riam
Riam e rolavam
Rolavam e apontavam
Para o, nu, seio da Terra
Que numa erupção de vergonha
Voou rasante de um sonho
Ainda coberto da serpentina
De algum passado carnaval

E quando o silêncio reinava
A terra me engolia e cuspia
Preso em verdes e vermelhos
E azuis e amarelos e em teus negros olhos verdes
Fez-se o início do fim
Uma nuvem, um sinal de fumaça
Que acenava em minha alma me chamando
“Venha só”
E a solidão que eu bem conheço
Fez-se bosque e noite e campo fresco
A lua, roxa, piscou em minha alma
E a noite foi passando ao som de incenso

Mylena Perez

Autopoema

Sou uma lagoa na planície
Onde o vento bate e balança o Cipestre
Sou um, negro, lago Ness de imundície
Onde o sol bate, na pele, e ferve

Sou o espírito do filósofo em crise
De quem do mundo alma se esquece
Sou o patinho feio que a cada frase vir cisne
Mas volta sempre a podridão a que pertence

Sou a árvore mais alta da floresta
Que tudo vê e por ninguém padece
Sou um riso de criança, inocente
Que mira à lua e faz sua prece

Sou o olhar doa amantes platônicos
Que se desejam e não se podem ter
Sou, claramente, o mais sábio dos homens
Mas no escuro, como Sócrates, só sei nada saber

Sou a brisa que derruba, das mulheres, os chapéus graciosos
Chuva que lava cenas- do- crime e almas de criminosos
Sou a lágrima quente que escorre no rosto frio
Que como gota de sangue, enobrece meu martírio

Sou um mar, salgado, de mágoas
De ilusão, profundo, afogando o viver
Sou um rio, perene, de águas
De onde corre poesia e onde se perde o meu ser

Mylena Perez

Acidental

O vento batia nas árvores
Mas minh’alma ouvia Chopin
Os pensamentos perdi numa esquina de paris
Já ressoava, metálico, o badalar das estrelas
Quando a lua piscou seus olhos azuis
Bem do fundo amarelo chegou, inesperado, o tão adorado spleen
Mas a noite virou dia, luz e fez cara de sol
Ressoou pela última vez o cheiro de incenso tingido de navy-blue
E antes que eu percebesse, meio incompleto, saiu mancando pela cidade um verso perneta

Mylena Perez

Lamentação

Em ondas revoltas de lágrimas
O mar escorre em meu rosto
Memórias, estreitas, não passam, mas
Nos olhos é o mundo já posto

Feito estrelas no negro firmamento
Lembranças hoje brilham dobres e nuas
É o imaginário concreto, um pensamento
Me faz outra vez tocarem as mãos tuas

É o pingo de água da chuva
É a gota da lágrima minha
É o olho que pisca na noite
É a lua que brilha sozinha

“Olho por olho” quero vê-la sofrer
Chorar! É agora “dente por dente”,
De satisfação a lágrima do meu rosto escorrer
Irromper a vingança de paixão latente

Se fosse efêmera a luz desse inverso...
Que me cega para não mais ver-te
Mas é eterno, eterno; Eterno
O martírio de ver-te e não ter-te

Um nome, um rosto, um beijo
Quem dera hoje esquecê-los eu?
É esse cárcere de saudade e desejo
Esverdeando o azul do meu céu

No espírito a noite gelada
E na boca a palavra não lida
É o remorso da maldição pregada
Na morte, “morte pela vida”

É a dor de uma foto rasgada
Numa noite de sono perdida
Mas tua alma, num canto, largada
Há de sentir a dor da ferida

É o sonho apagado, esquecido
Ou o murmúrio do vinho bebido?
É teu olhar de pura trapaça
Que vem a mente e não passa

É o vinho que resta na taça...
Mas doce? Ah, a loucura que herdei !
É aboca que beijo uma farsa?
Pois não sei se vivi ou sonhei

É o sentido perdido
Do fogo apagado a chama
Sabotado, fingido
Do qual só restou-me o drama

Fosse ainda mais leve a memória tua
A levaria, de espírito pesado
Mas que carregues tu o teu fardo
E apague, na saída, o interruptor da lua

Mylena Perez

Amada

Ó quão doces os lábios, os beijos
Da eterna Julieta minha
Tão singelos os toques
Ah! As cantigas que entoa sozinha

As ouvir ­ se as ouço entoar minha rainha
Faz me suspirar
E ao saudá-la, ah o rubor de sua face
Tão rósea, ao ouvir a voz minha

Cintila no olhar a faísca
Se encontra meu pensamento a linha sua
Floresce, dentro de mi, botão de paixão nua

Por ela canto estrelas
Louco Ícaro que a vida arrisca
Ah, tão doce, se ao menos pudesse vê-las

Mylena Perez