domingo, 25 de janeiro de 2009

Heil Gilberto


Já se passaram dois dias e ainda não acredito realmente que Gilberto tenha morrido. Recebi, na sexta-feira pela manhã, um telefonema da ex- mulher dele, comunicando sua morte e, desde então tenho tido flashbacks perturbadores dos momentos que passamos juntos. Nunca fomos muito unidos, eu e Gilberto, em boa parte devido à sua personalidade, com o perdão do eufemismo, “peculiar”. Mas dos poucos momentos que dividimos tenho ótimas recordações.
Gilberto sempre foi muito “diferente”, estudamos juntos boa parte da adolescência e também da juventude .Eu me lembro muito bem da primeira vez que o vi , seus pais haviam se mudado para a cidade e ele não havia feito amizades muito rápido. Eu nunca havia prestado muita atenção nele até que, na oitava série, durante um debate sobre as verdadeiras causas da segunda guerra mundial, Gilberto defendeu seus argumentos perante a turma com citações, em alemão, de um dos discursos de Hitler.
Na faculdade as coisas não foram muito diferentes. Ele tinha um modo único de defender suas opiniões e valores que, combinado com a sua coragem e com seu dom de “meter o nariz onde não era chamado” poderia até mesmo, sem muito esforço, convencer Isaac Newton a fazer uma deliciosa torta de maça com canela com a maça que lhe acertou a cabeça ao invés de formular a teoria da gravitação dos corpos.
Encontrar uma mulher não foi muito fácil para ele. Gilberto insistia em dizer que a mulher ideal para ele não deveria apenas saber cozinhar, limpar e passar suas calças conservando aquele estúpido vinco que ele tanto prezava, mas deveria também ser capaz de resolver equações de cálculos diferenciais, além de ter que saber dar um nó em um cabinho de cereja usando apenas a língua, qualidade essa que, segundo ele, somente as mulheres mais especiais possuíam. Era de se imaginar que ele nunca fosse encontrar esse raríssimo espécime feminino, mas Gilberto sempre conseguia o que queria e assim, conheceu Suzana.
Suzana lecionava cálculo numa universidade local e logo que conheceu Gilberto se apaixonou completamente. Dois meses depois de começarem a sair e depois de uma análise profunda da personalidade de Suzana feita por inúmeros psiquiatras amigos de Gilberto, ele a pediu em casamento. Suzana, apesar de não esconder o quanto as tendências neo-nazistas de seu futuro marido a preocupavam, aceitou o pedido e eles se casaram semanas depois, no civil apenas, pois Gilberto considerava todo e qualquer tipo de festa um abominável desperdício de dinheiro. Infelizmente, o casamento terminou em menos de três anos, quando Suzana, após dar a luz a um saudável par de meninos gêmeos, acordou pela manhã no hospital e descobriu que o seu amado marido os havia nomeado Adolf e Pétain de Souza.
Gilberto nunca se casou, nem sequer teve uma namorada após o divórcio e, embora fosse óbvio para todos que ele estava sofrendo muito, nunca admitiu. Após o enterro, eu arrombei a porta do quarto onde ele costumava dormir e roubei seu diário, ele escrevia diários desde os quinze nos, e eu achei que aquilo poderia me esclarecer muitas coisas sobre ele. Mas os diários, que faziam menos sentido que o que o próprio Gilberto dizia, apenas provaram que o orgulho fora a causa de sua morte. Um dia, pego chorando, havia afirmado ter um problema nos olhos e precisava de um laudo médico que validasse sua mentira. Era período de eleições e, ironicamente, Gilberto foi atropelado por um carro de som que tocava a propaganda política de um certo “partido socialista democrático” quando atravessava a rua para a sua consulta com o oftalmologista.

Mylena Perez

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