sexta-feira, 4 de abril de 2008

Marcha Fúnebre

Desolado ele encostou-se no piano. Todos diziam que ele deveria esquecer aquilo, mas no seu coração tudo permanecia o mesmo. Já haviam se passado anos, mas seu coração parecia não aceitar que ela nunca mais voltaria. Ele conservou toda a casa intocada, do jeito que ela havia deixado ao sair. E era como se a casa e ele ainda esperassem que ela voltasse. As lágrimas grossas e pesadas teimavam em escorrer- lhe pelo rosto e as imagens e lembranças dela teimavam em passear pela casa. Parecia que a única coisa que não esperava a volta dela era o maldito tempo que insistia em passar e aos poucos separar cada vez mais a sombra da beleza que sua amada um dia tivera.
Por momentos a casa vazia parecia encher-se de risos e o doce som daquela finada alegria vinha perturbá-lo. Era como se tivesse sido tudo apenas um sonho triste, mas a realidade sempre o trazia de volta e o silencia sempre voltava. Os risos, os toques, os nomes, tudo se desmanchava noite adentro. E o silêncio triste, a agonia e a desolação sempre voltavam.
Como poderia esquecê-la? Como poderia? Como? Era como se ela fosse voltar a qualquer momento. Ela entraria saltitante pela porta, lhe daria um beijo, ajeitaria a flor branca presa aos cabelos e tudo voltaria ao normal. Mas ele a havia esperado tanto, tanto, ele já havia tentado fazer seu coração aceitar a verdade, mas somente a idéia de nunca mais vê-la, beijá-la ou tocá-la lhe parecia inconcebível.
Naquela tarde junto ao piano ele tocou, tocou como se ela estivesse lá.Como se estivesse sorridente a seu lado ouvindo a música. Ele tocou para ela, e de repente ela estava lá mais uma vez. Ele tocava feliz, e a melodia invadia seu coração, ao olhar no fundo de seus olhos negros ele compunha. Talvez ele não tenha percebido a mudança, talvez as lágrimas não tenham querido escorrer, mas acho que seu coração no meio daquela música aceitou o fato. E quase sem perceber a composição, antes tão alegre, foi se transformado numa marcha fúnebre e em meio a graves notas e lacrimosos sustenidos seu amada tornou-se fria e branca. Seus olhos perderam a vida, seu sorriso perdeu o significado e o vulto pálido que era antes tão nítido aos poucos desapareceu. E ao final da triste música já nada restara onde antes estava sua amada. Talvez ele tivesse apenas imaginado, talvez seus olhos, embaçados pelas lágrimas, o tivessem enganado, mas seu coração aceitou, ela não voltaria. Levantou-se do piano, abriu as cortinas e lavou o rosto. Esqueceu.


Mylena Perez

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