segunda-feira, 8 de outubro de 2007

O Estranho Homem Insignificante

O estranho homem insignificante

É incrível como coisas que nos passam despercebidas todos os dias, podem ser vitais para alguns. Um homem estava caminhando na orla da praia, despreocupado. Tranqüilo. Porque não deveria estar? Ao caminhar lentamente absorvia a serenidade da brisa que batia contra os coqueiros. Na sua mente nada, nenhum problema, nenhuma preocupação. Nesses momentos nem os afazeres da família (da qual aposto que nem lembrava da existência), ou seus respectivos problemas o atormentavam. Sentia-se leve, quase como se ao invés de caminhar pudesse a qualquer momento sair flutuando. Eram ainda às seis da manhã e não havia ninguém na praia ou mesmo fora de casa.
Ao passar por uma determinada parte da orla, um homem surge. Uma figura muito estranha. Quase perturbadora, por assim dizer. Um homem alto (apesar do andar acorcundado), branco, bem pálido mesmo, com olheiras profundas, com um olhar... Deixe-me ver... O olhar não sei bem como descrever, era um olhar como de um louco quase como se as órbitas tentassem escapar dos olhos. Mas ironicamente bem vestido, vestia um terno preto com uma blusa negra e também usava uma gravata. Sapatos sociais bem engraxados e um relógio caro. Mas a sua aparência... Ah! Como estava ruim, acabada, dava medo. Ao olhar em seus olhos ele sentiu um calafrio. Apressou o passo, tentando ultrapassar a estranha figura que tentava “fazer contato”.
Ao o olhar para trás viu que a estranha figura tentava balbuciar-lhe palavras. O que estaria dizendo? Não era importante, deveria terminar sua caminhada matinal. Afinal, estava tão atolado de responsabilidades. Trabalho, família, três filhos para sustentar, uma esposa para agradar, uma vida social para manter. Não poderia perder seu tempo “jogando papo fora” com o estranho homem. Mas, no entanto parou um minuto para observá-lo melhor. Parecia agora ter uma expressão mais feliz. Talvez porque achasse que nosso atarefado homem tivesse parado para dirigir-lhe a palavra. Mas de repente virou as costas e deixou o estranho tentando falar sozinho. Seguiu o seu caminho, pois pouco lhe importava o que o homem queria. Com tantas preocupações, não tinha tempo para dizer olá nem ao menos para perguntar se o homem precisava de alguma coisa. Ele se viraria sozinho não é? Era apenas mais um andarilho louco. Deveria seguir seu caminho, já era um adulto.
Ao sair, ainda deu uma última olhada nos olhos do homem, pareciam gritar por ajuda, mas não sei não, ele poderia fazer-lhe algum mal. Assalta-lo quem sabe? Ou até pior, mata-lo. Bem, isso não é importante de se comentar. Nosso atarefado homem seguiu seu caminho, caminhando a passos fortes e largos. Agora já com muitas coisas na cabeça. E muito perturbado e irritado com aquela estranha figura. Não sabia por que, mas aquele estranho olhar havia mudado o seu humor. Agora dava a volta e tomava o caminho para o trabalho. Lá ficou até as sete da noite. Então foi para casa.
Ao chegar a casa, abraça os filhos, beija a esposa. Faz algumas ligações de negócios e senta-se à mesa para jantar. Conta como foi o seu dia, é claro que não conta do estranho homem, afinal foi apenas algo insignificante. Conta sobre a caminhada, sobre as paisagens que viu e até mesmo sobre uma criança que viu passar correndo no caminho de volta. Após o jantar, põe as crianças para dormir, beija a esposa − que também vai para a cama cedo− e senta em frente à TV na sala sozinho. Liga no noticiário local e. Oh! Uma tragédia, nas palavras da repórter: “Morreu hoje Ricardo da Silva Magalhães, empresário falido que após escrever uma carta de suicídio, deu um tiro na cabeça na orla de um a famosa praia carioca às seis e meia desta manhã”. Subitamente, um aperto se deu no coração de nosso querido homem. Um frio percorreu em um segundo todas as veias de seu corpo, gelando seu sangue. A repórter continuou: “ a carta deixada por Ricardo , vem endereçada não à sua família mas a “um querido estranho” , seja lá o que isso signifique , queremos aqui prestar nossos sinceros pêsames a família de Ricardo , que reside na Bahia e não recebia notícias do mesmo desde 1999 , quando se mudou , abandonando a todos para tentar a vida na capital carioca. Pelo que sabemos Ricardo era um homem amargurado , que ao perder tudo , chegou ao ponto de não ter o que comer ou onde dormir , era um homem muito inteligente , mas que infelizmente tomado pela depressão somente percorria as ruas da cidade muito bem vestido à procura de uma forma de começar sua nova vida .Se ao menos alguém lhe tivesse dão uma oportunidade ... E assim termina o noticiário das nove no seu canal 36...” Nosso homem nem chegou a ouvir o final do que dizia a repórter . Ainda meio em choque, vai até a cama e deitasse ao lado de sua terna esposa. Antes de dormir olha pela janela. A chuva triste cai, e assim derrama uma única lágrima, uma lágrima egoísta, uma lágrima sincera. Se ao menos ele tivesse oferecido ajuda. Não sei, um bom dia bastava. Se ele. Se... Limpa o rosto e vai dormir, agora era tarde demais! Isso acontecesse todos os dias, em todos os lugares. É normal. Tentava enganar a sua consciência, não foi culpa sua, pega no sono. Agora era tarde demais!




By : Mylena Britto Perez (04 09 07 –as 22:18)

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